MANHOSA

Quarta-feira, 19 de Agosto de 2009

VÍCIOS BESTIAIS

O consumo de drogas e substâncias euforizantes não é exclusivo humano. Desde renas que ingerem cogumelos alucinogénicos a vacas viciadas na “erva louca”, passando por elefantes alcoólicos, os etólogos já classificaram perto de 400 espécies que procuram activamente substâncias inebriantes.
 
 
A obsessão da cabra mexicana pelas sementes da planta mescal constitui um bom exemplo do consumo intencional de drogas no reino animal. Mal acaba de as ingerir, o quadrúpede começa a tremer e, pouco depois, cai no chão completamente narcotizado.
Quando acorda, volta a consumir as sementes e repetem-se as convulsões, os solavancos e a perda de sentidos, o que revela o interesse do bicho por experimentar sucessivas vezes esses efeitos inebriantes, os quais lhe provocam, sem dúvida, grande prazer.
            Na realidade, a paixão dos ruminantes mexicanos pelos narcóticos naturais não é tão estranha como possa parecer à primeira vista, pois há muitos outros animais que se comportam de forma semelhante. Anos de investigação sobre as mais diversas espécies permitiram a etólogos e biólogos elaborar uma lista de toxicodependentes que inclui formigas viciadas num néctar inebriante, renas que se pelam por cogumelos alucinogénicos, pássaros que apreciam a pinga, gatos que não passam sem ervas estimulantes ou elefantes que andam nos copos pela savana africana. Em consequência dessas fraquezas, alguns perdem os sentidos, outros caminham aos tombos ou reagem com uma violência inusitada, transformando-se em criaturas agressivas e dispostas a andar à bulha com tudo o que lhes aparece pela frente.
 
·       Quase 400 espécies consomem estupefacientes
Já se sabe que os comportamentos de diversos animais se podem revelar,
por vezes, muitos semelhantes ao nosso. A conduta dos orangotangos, que abraçam carinhosamente as crias, dos ursinhos, que brincam com os irmãos como se fossem crianças, ou dos elefantes, que parecem chorar perante a morte de um companheiro reflecte um emocionante grau de sensibilidade.
            O que torna verdadeiramente surpreendente, porém, é que muitos consomem drogas pelo efeito que podem obter: uma estimulação dos centros do prazer que não fica atrás da que é experiência por um toxicodependente da raça humana. Por vezes, chega mesmo a produzir-se uma síndrome de abstinência.
            Na década de 1970, a comunidade cientifica reconheceu que pelo menos 40 espécies animais se drogavam habitualmente. Vinte anos depois, a lista de “viciados” tinha crescido e alcançando 300 espécies. Actualmente, os etólogos já documentaram 380 espécies que procuram deliberadamente as diversas drogas que a mãe-natureza lhes oferece de forma gratuita. Aquilo que poderia parecer uma excepção, há apenas 40 anos, surge agora como um comportamento muito divulgado entre grandes mamíferos, aves de todas as espécies e minúsculos insectos.
            O etnobotânico e etnomicólogo Giorgio Samorini, da Universidade de Bolonha (Itália), autor do livro Animais de se drogam, afirma que esse interesse pelos estupefacientes é motivado tanto pela procura de prazer como por questões evolutivas. “Abandonar comportamentos básicos já adquiridos, como alimentar-se ou reproduzir-se, tem os seus custos, mas abre novas possibilidade para a adaptação ao meio.”
 
 
·       As drogas fazem-nos ignorar os instintos
Na sua opinião, embora os animais tendam a drogar-se para experimentar novos padrões de comportamento, com o objectivo de melhorar as expectativas de sobrevivência, isso não exclui que também procurem os efeitos aprazáveis da embriaguez. É verdade que alguns desses hábitos são adquiridos, tal como escreveu Charles Darwin depois de observar vários símios que fumavam cigarros com grande prazer.
            O vício fora transmitido aos primatas pelos seres humanos, tal com acontece com os gatos domésticos que pululam nas salas de fumadores de ópio de Extremo Oriente. Quando os clientes começam a expelir baforadas de fumo narcotizante, os felinos apressam-se a vir aspirá-lo...
            Diversas experiências Demonstraram que algumas drogas surtem um efeito semelhante no Homem e nos animais. Numa delas, os investigadores alimentaram aranhas do género Zillax notata com moscas que continham diferentes tipos de substâncias psicotrópicas, a fim de analisar como influenciam a elaboração das teias. Os artrópodes que tinham ingerido moscas injectadas com ácido lisérgico (LSD) teceram teias complicadíssimas, com desenhos que formavam verdadeiros arabescos. Sob efeito da cafeína, as teias eram mais angulosas e tinham grandes espaços vazios.
            Tal como acontece com o ser humano, o consumo de drogas por parte de alguns animais pode levá-los à beira da morte, quer pelo teor tóxico das substâncias, quer pelos efeitos que exerce na psique; um dos mais vulgares é provocar o abandono do estado de alerta inerente às espécies selvagens. Assim, completamente embriagados após a ingestão de certas bagas, os pintarroxos americanos caem inconscientes no chão, onde se tornam um presa fácil para predadores, ou vítimas dos automóveis, que os atropelam nas estradas.
            De igual modo, a borboleta-esfinge, grande consumidora de néctar exsudado pelas flores de estramónio, cai no chão totalmente atordoada, sem defesa perante o ataque de qualquer animal. Os caribus canadianos também mastigam o Amanita muscaria,  um cogumelo que os inebria tão profundamente que chegam a perder o instinto de sobrevivência.
 
 
·       Trinta quilómetros para apanhas uma bebedeira
Os etólogos já constataram a paixão que alguns elefantes africanos nutrem pelos frutos produzidos por certas espécies de palmeiras (como o sura, a marula, a palmira ou o mgongo), sobretudo quando estão muito maduros, pois a sua fermentação produz uma importante quantidade de álcool concentrado. Os paquidermes recolhem os frutos caídos no chão e, depois, abanam os troncos com as trombas para soltarem os cachos que ainda pendem dos ramos das palmeiras.
A embriaguez não é acidental, pois muitos animais conhecem muito bem os efeitos produzidos pela sua ingestão. De facto, quando chega a época em que os frutos amadurecem, os machos adultos abandonam a manada e percorrem, em apenas um dias, cerca de trinta quilómetros, o que representa o triplo da distância que o grupo costuma fazer no mesmo período de tempo. A correria parece valer a pena, visto que os primeiros a chegar às cobiçadas palmeiras conseguem ingerir maior quantidade de frutos.
Mas há mais: com medo de que a “bebida” se esgote, os elefantes competem entre si para obter a maior parte da colheita. Depois de consumidos os frutos, a fermentação prossegue no aparelho digestivo, causando um prolongado estado de embriaguez que os excita profundamente. Bêbedos que nem um cacho, assustam-se ao mínimo movimento que sentem em seu redor. Nessas condições, os enormes Hooligans da savana constituem um sério perigo, pois qualquer coisa os espanta e tornam-se muito agressivos.
O que estará na origem do vício? Durante a infância, o elefante coloca a tromba na boca da mãe para provar o que ela está a comer e aprender a conhecer, desse modo, o tipo de substâncias adequadas para a sua alimentação. Assim, os paquidermes ficam a conhecer os efeitos inebriantes dos frutos desde os primeiros anos de existência. A estrutura social em manada contribui para que esse conhecimento seja transmitido de geração em geração.
 
·       Amimais de todo o género atrás de um fruto exótico
Os elefantes da Indonésia e de Bengala são também grandes apreciadores de frutos fermentados, em especial do durião (Durio zibethinus), tão perfeito para proporcionar grandes orgias etílicas em determinadas alturas do ano que muitas outras espécies, como os orangotangos, as raposas-voadoras (morcegos frutívoros) e até os tigres de Sumatra se pelam pelo seu consumo. Os efeitos em animais tão diversos são muito semelhantes: enquanto os símios abanam a cabeça nervosamente e quase não conseguem subir às árvores para fugir dos predadores, os elefantes cambaleiam de um lado para o outro e, completamente aturdidos, batem com as trombas no chão.
Embora esta imagem pareça cómica, há registos históricos a testemunhar que a situação pode não ser nada divertida: “Em 1985, na Bengala Ocidental, uma grande manada de 150 elefantes irrompeu num laboratório clandestino onde se produzia álcool e beberam até mais não poder grandes quantidades de malte destilado”, recorda Samorini. Em consequência da bebedeira colectiva, os animais deambularam sem controlo pela zona, pisando e matando cinco pessoas. Sete casas de tijolo e uma vintena de cabanas ficaram destruídas.
A tendência dos elefantes para se “emborrachar” já foi retratada, em várias ocasiões, pela ficção: quem viu o filme Dumbo recorda, certamente, que o elefante voador tinha alucinações quando bebia álcool e via congéneres cor-de-rosa a dançar à sua volta como se não tivessem peso. “Sem dúvida, Walt Disney devia saber que os paquidermes se embriagam em plena Natureza”, comenta Samorini.
Todavia, a dipsomania animal não é apanágio das espécies de maior dimensão; para não irmos tão longe, o álcool é uma das grandes fraquezas dos caracóis, a tal ponto que alguns camponeses europeus, para defender as suas culturas, colocam bandejas de cerveja e vinho no chão, para atrair os moluscos. Dezenas e dezenas de caracóis começam, então, a amontoar-se sobre os recipientes e ali permanecem, aparentemente adormecidos.
 
·       Renas e caribus drogam-se de cogumelos
Por sua vez, as renas da Sibéria preferem os alucinogénicos, em especial o Amanita muscaria, um cogumelo de aspecto vistoso que cresce sob os pinheiros e os abetos e cuja ingestão enlouquece literalmente os animais, que correm de um lado para o outro a torcer o pescoço de forma inverosímil. Os caribus canadianos e diversas espécies de esquilos são também adeptos dos poderosos efeitos do “cogumelo milagroso”. A reacção dos caribus é muito semelhante à das renas: abandonam a manada e correm como loucos, agitando desajeitadamente as patas traseiras, O estado de absoluta embriaguez leva as fêmeas a abandonar a vigilância e a deixar as crias desamparados.
Os felinos também procuram estimulação nas folhas de determinadas ervas. O caso mais conhecido é dos gatos que consomem a gatária (Nepeta cataria), uma espécie de hortelã que é também conhecida como erva-dos-gatos, embora não tenha nada haver com as plantas que se vendem nas lojas de animais para induzir o vómito e purgar o aparelho digestivo.
O gato macho fareja a gatária e, depois, esfrega o focinho e as face nela; se a ingerir, fica imediatamente excitado e experimenta uma erecção espontânea. Por sua vez, a fêmea age como se estivesse à beira de acasalar, arqueando o lombo ao caminhar e simulando a sua insinuante dança. Os efeitos estimulantes devem-se a compostos voláteis, nepetalactonas que a planta produz e que parece afectar todos os felinos, pois os tigres também são sensíveis aos eflúvios da gatária.
Os gatos que se drogam com a gatária têm alucinações. Muitos agem como se quisessem apanhar com as garras objectos, insectos e pequenos animais que só existem na sua imaginação. Outros adoptam atitudes provocatórias, baixam as orelhas e parecem querer atacar um congénere inexistente. Os bichanos japoneses têm à sua disposição outra planta, a matatabi, cujo os efeitos são mais narcotizantes. Quando a mastigam, caem de costas com as patas viradas para cima e ficam imobilizados nessa posição, como se estivessem completamente embriagados.
Outra erva de efeitos psicoactivos no mundo dos felinos é a vulgar valeriana, planta utilizada pelo ser humano como tranquilizante fraco e anti-espasmódico, embora produza nos gatos domésticos uma considerável “pedrada”. Os animais procuram estas ervas em determinadas épocas do ano, nomeadamente na Primavera. No Outono ou no Inverno, quando as plantas surtem efeito, os felinos não parecem sofrer da síndrome de abstinência. 
 
·       A “erva louca” é uma problema sério para o gado
A Natureza produz cerca de quarenta planta silvestres com efeitos psicoactivos para o gado. Nos Estados Unidos, as chamadas Locoweeds (“ervas loucas”) pertencem à família das leguminosas e todas provocam, em maior ou menor grau, efeitos semelhantes aos narcóticos nos animais que as ingerem: vacas, machos, antílopes, cavalos, coelhos, porcos e galinhas. A síndrome de abstinência também pode ocorrer e, quando encontram estas ervas em quantidade, os cavalos tendem a deixar de lado as que consomem diariamente. As crias cujas mães comem “erva louca” tornam-se, por sua vez, viciadas nas plantas.
No estado de Kansas, produziu-se, em 1883, uma verdadeira epidemia que afectou 25 mil vacas. Deixaram ingerir apenas “erva louca”, muito menos nutritiva mas com efeitos mais aliciantes para os animais. Na década de 1930m investigadores detectaram, no Nebraska, a espécie Astragalis Lambertii, uma planta de efeitos inebriantes que germina de forma natural em boa parte do território meridional dos Estados Unidos.
Do outro lado da fronteira, no México, o problema é uma espécie de gravanço, uma “erva louca” da espécie Astragalus amphyoxis. Os animais que a consomem isolam-se do grupo, tornam-se irascíveis e emagrecem visivelmente em poucos dias. Quando os caqueiros voltam a integrar o animal na manada, este age de modo estranho e tende a escapara do grupo à menor oportunidade; mostra uma verdadeira obsessão por descobrir a cobiçada “erva louca” a todo o custo; se não a encontrar, pode tornar-se muito agressivo.
 

 

 

·       Aves que gostam de pinga...
Quando migram, durante o Inverno, para a costa ocidental dos Estados Unidos, os pintarroxos da espécie Tardus migratorius pousam numa árvore que produz, nessa época, frutos inebriantes a que os californianos chamam “bagas de Natal” e que são consumidos em grandes quantidades pelas aves.
Durante três semanas, os pintarroxos andam completamente desorientados e entregam-se a estranhas manobras. Alguns entram nas casas e embatem nas paredes. Outros voam a uma altura tão baixa que são colhidos pelos automóveis, cujo condutores nada podem fazer para evitar o que parece um suicídio colectivo, embora a verdadeira causa seja a ingestão de frutos embriagantes.
O ornitologista David McKelvey estudou, durante anos, a pomba rosada (Columba meyeri), uma ave das ilhas Maurícias associada a três plantas psicoactivas: uma espécie de eufórbia (da família das euforbiáceas), uma espécie da Aphloia (que os nativos designam por fandamon) e uma espécie de latana. As pombas alimentam-se dos bagos destas plantas, cujos efeitos causam uma forte bebedeira. Completamente inebriantes, as aves tornam-se desajeitadas e cómicas, sendo uma presa fácil para os mangustos introduzidos pelos ingleses nas Maurícias.
 

·       Alguns amimais seguem curas de reabilitação
Os quadrúpedes viciados na “erva louca” tornam-se conhecidos como “locoinómanos”. Sob os efeitos da planta, os animais ficam imóveis, com as patas muito afastadas, como se procurassem a melhor forma de manter o equilíbrio perante as tonturas que a ingestão das ervas lhes provoca. Se o criador de gado conseguir mantê-los na manada e eliminar por completo as plantas da sua alimentação, as vacas e os cavalos intoxicados recuperam rapidamente a vivacidade e energia. Porém, quando voltam a descobrir a “erva louca”, precipitam-se para a consumir com avidez.
Apesar dos esforços dos vaqueiros para separar as crias das mães viciadas e das campanhas das autoridades para erradicar esse tipo de plantas, o problema continua a ser grave nos Estados Unidos, e foram mesmo criados centros de recuperação dos animais, com o objectivo de os livrar da dependência e reintegrar no “mundo laboral”.
A Ciência estabelece e descreve de forma mais pormenorizada, agora, a relação entre numerosas espécies animais e determinadas substâncias inebriantes ou alucinogénicas, mas a verdade é que o Homem convive há demasiado tempo que os bichos não se terem apercebido disso antes. De facto, os antropólogos asseguram que o ser humano descobriu, há milhares de anos, as propriedades alucinogénicas do Amanita muscaria e de outros cogumelos de efeitos psicoactivos ao observar o comportamento dos animais que o consumiam.
O próprio folclore parece confirmar a hipótese: segundo um conto popular etíope, um pastor ficou surpreendido ao observar a extraordinária reacção das suas cabras depois de comerem certas bagas; ficam hiperactivas, trepam para sítios impossíveis e pareciam dançar. Movido pela curiosidade, o homem decidiu provar os pequenos frutos vermelhos, que lhe produziram de imediato uma sensação de euforia, fazendo-o de novo sentir um novo vigor e uma força interior que lhe despertava os sentidos. Era a primeira vez que o ser humano provava café...
 
·       O que “anima” um animal pode matar um homem
É provável que esta história tenha um fundo verdade. Outras plantas psicoactivas foram descobertas pelos seres humanos depois de observarem a forma como alteravam o comportamento animal. Não foram, porém, experiências isentas de riscos, pois algumas dessas plantas, quase inofensivas para determinados animais, revelam-se fatais para o Homem. É o caso do fruto vermelho de uma árvore da família das cicadáceas: embora tenha efeitos extremamente tóxicos para nós, os babuínos, grandes consumidores dos bagos, ficam apenas embriagados.
 
 
                                         F.C. – Revista Super Interessante
publicado por Nikas às 10:25

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